A tecnologia a favor da diversidade

Foto de Christina Morillo no Pexels

Evento já tradicional da ABRH-SP, o Fórum Inclusão da Diversidade apresentou mais uma vez um conteúdo inovador na sua nona edição realizada no ano passado. Uma das reflexões mais interessantes foi produzida ao longo do painel “Como promover uma sociedade mais inclusiva e acessível? Estratégia, inovação e liderança na diversidade”, que contou com as participações de Ana Bavon, sócia-fundadora da consultoria B4People; Esabela Cruz, gerente de Diversidade e Inclusão do Mercado Livre; e Marco Pellegrini, assistente técnico do Metrô de São Paulo e consultor de Acessibilidade, Inclusão e Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência no Coletivo de Vida Independente CVI. Coordenadora do Programa Mestre de Diversidade Inclusiva – MDI, Samanta Lopes foi a moderadora da conversa.

Entre outros temas, os participantes analisaram como utilizar a tecnologia a favor da diversidade. Confira, a seguir, as principais reflexões:

“Se continuarmos pensando dessa forma, vamos causar novas desigualdades, perpetradas por conta da evolução digital” 

Ana Bavon: “Falar sobre o ambiente digital e tecnológico em 2021 é falar sobre um novo modelo de sociedade para o qual estamos nos dirigindo, e já estamos nos estabelecendo, que tem no seu tecido social o digital como elemento fundamental. Um modelo que baseia não só as relações do ponto de vista organizacional, mas também está nas nossas relações humanas além da ordem do trabalho, na medida em que nos comunicamos com os nossos pares, as nossas famílias e os nossos amigos por meio dessa mesma tecnologia.

É muito importante entender que, em uma sociedade como a nossa, já temos uma desigualdade fundante. Sabemos quais são as pessoas que estão à margem dos lugares de poder, de decisão e de escolha: pessoas com deficiência, pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e com a idade muito mais avançada. Nesse último caso, a lógica mercadológica acredita que há uma tendência de combinar inovação e tecnologia com juventude. Quando na verdade, se continuarmos pensando dessa forma, vamos causar novas desigualdades, perpetradas por conta da evolução digital.

Na mesma medida em que a tecnologia aproxima a cultura e as possibilidades, ela amplia as diferenças e constrói abismos muitas vezes nessa mesma lógica. Aqui no nosso país, as pessoas à margem da alfabetização digital não são aquelas em vulnerabilidade social do ponto de vista econômico, mas aquelas que não estão conectadas com essa evolução do digital, pessoas mais velhas, por exemplo.

Na área da tecnologia, a gente vê as empresas investindo muito em educação na comunidade na qual pertencem para capacitar jovens na ferramenta específica com a qual operam a fim de que eles possam vir a trabalhar na companhia no futuro. Isso leva a dois cenários: um de impacto social e que age no desenvolvimento humano para poder corresponder às necessidades tecnológicas; e outro que pode ser muito prejudicial na medida em que fornecemos educação para que essa população esteja apta a operar determinado sistema, barateando a mão de obra desse mesmo sistema.

Por isso é importante entender qual o objetivo da organização quando ela está pensando em promover a educação e atuar no entorno para mitigar os efeitos da exclusão digital: se está pensando de fato em inclusão ou em baratear essa mão de obra para ter uma possibilidade de ganho de negócios”.

“Se parto de um conceito de acessibilidade para as pessoas com deficiência, estou promovendo a acessibilidade para todos”

Esabela: “Quando a gente fala em tecnologia, é preciso pensar em um cenário de acessibilidade, que tem uma questão não só social, mas também em relação a como as tecnologias são desenhadas para que todas as pessoas consigam acessá-las, seja alguém mais velho, seja alguém com deficiência ou muito marginalizado nesse processo.

Pensando nas pessoas com deficiência, observamos o quanto, inclusive plataformas de consumo, estão fora dessa perspectiva, perdem clientes e negócios porque não começam o desenho das suas tecnologias com foco em ferramentas realmente inclusivas. Observamos uma série de dificuldades criadas para que essas pessoas usem tais tecnologias.

As empresas estão se digladiando por talentos em TI, mas poucas ou quase nenhuma tem olhado para esse diferencial, que, além disso, é uma questão legal. Temos no Brasil uma legislação que traz a necessidade iminente de promover a acessibilidade para as tecnologias para que elas sejam inclusivas. Ainda assim, poucas estão atentas a essa necessidade.

Existem 24% de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil, além de uma população que envelhece e vai envelhecer ainda mais. É preciso adequar o acesso pensando em uma ferramenta chamada desenho universal, que hoje é o que há de mais moderno. Muitas vezes a pessoa, mesmo tendo condições, não consegue acessar porque essas ferramentas não foram desenhadas de forma inclusiva. Temos de pensar o quanto estamos atentos a essa necessidade funcional.

Se parto de um conceito de acessibilidade para as pessoas com deficiência, estou promovendo a acessibilidade para todos. Quando parto de um conceito inclusivo, não estou focando só em um marcador social específico, estou gerando muito mais acesso para mais pessoas. Trata-se de um tema urgente e pouco falado. Trabalho hoje em uma empresa que também é de TI e este tem sido um grande desafio: como atualizamos as equipes de TI para que elas entendam a metodologia, para que os códigos sejam desenhados de forma acessível para diminuir ao máximo o impacto e a exclusão digital de pessoas que precisam acessar inclusive como consumidores essa plataforma”.

“O papel da empresa hoje é ir além da área de negócio dela”.

Marco Pellegrini: “Tenho metade da minha vida na questão etnico-racial e outra metade na questão da deficiência. Em 30 anos de pessoa com deficiência, percebi uma mudança gigantesca neste tema. Como a sociedade enxerga hoje é completamente diferente do que era há 30 anos quando me tornei uma pessoa tetraplégica. Não existia política pública nessa área, nem tecnologia. Atualmente, o SUS entrega cadeira de rodas motorizada, o sistema de reabilitação profissional criou estratégias para colocar essas pessoas no mercado de trabalho e não para aposentá-las, e as tecnologias são poderosíssimas. Hoje, tetraplégico, e com um joystick, abro e fecho portas, acendo luz, uso computador, telefono, faço tudo e a um custo muito pequeno.

No entanto, na questão étnico-racial, não percebo da mesma forma. A diferença é que um grupo tem transversalidade na sociedade – a questão da deficiência pega rico, pega pobre, branco, preto, pessoa de qualquer religião ou classe econômica – e a questão do negro, não.

O papel da empresa hoje é ir além da área de negócio dela e perceber que essa área tem relação com a escola e com a comunidade. O mesmo lobby que a organização faz para ter práticas regulatórias que a favoreçam tem que ser feito ao colocar esses grupos como prioridade no sistema de formação e dentro do sistema de saúde para que desonere inclusive o tecido de proteção social e coloque todo mundo em outra condição. A empresa precisa contratar pessoas com deficiência não em cima do laudo, mas em cima do talento e da possibilidade que ela pode representar na cadeia de negócio dessa empresa e do equilíbrio social que isso pode promover.

Percebo hoje como um momento importante para isso. Como negro nós por muito tempo nos calamos. Não tínhamos espaço para nos contrapor a tudo isso, mas fazemos parte da produção de riqueza do Brasil, assim como as pessoas com deficiência e todas as outras minorias”

São Paulo, 10 de Janeiro de 2022.

ABRH-SP

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