Liderança nesses tempos de Transformação Digital

Já sabemos que a Era Digital está transformando a vida empresarial. Muda a natureza dos negócios, com soluções disruptivas que destroem companhias tradicionais da noite para o dia. Muda o ritmo, que em vez de incremental passa a ser exponencial. Mudam as relações trabalhistas, por meio do acesso a meios de produção que tornam o presencial menos relevante. Muda o espaço do trabalho, de escritórios tradicionais para home working e co-working. Muda o conceito de resultado, que passa a exigir escalabilidade. Muda a forma de educar, treinar pessoas e a de aprender. Muda a filosofia, da propriedade dos bens para a valorização do acesso, levando à era do compartilhamento. Mudam os hábitos de comprar e de consumir dos clientes.

O que ainda nem todos sabemos é como mudar a forma de liderar. A liderança tal qual a conhecemos hoje está com os dias contados. A maioria das empresas continua ensinando ideias e práticas sobre liderança para uma realidade que já não existe mais.

Tomemos como exemplo o conceito de “supervisão”, ainda hoje muito utilizado, em vários níveis, na hierarquia das organizações. A função de “supervisor” foi criada no século passado e continua fazendo parte da estrutura de cargos e salários da maioria das empresas. Liderar as pessoas, olhando-as trabalhar, foi bastante eficaz no tempo em que as pessoas trabalhavam no mesmo ambiente.

A novidade é que não precisamos mais compartilhar o mesmo espaço físico para trabalhar. Já há bastante tempo podemos nos comunicar e produzir de forma remota. Os líderes e gestores precisam de outras formas para monitorar suas equipes.

Passou a ser um desafio e tanto o controle da produtividade e a arte de cultivar os valores de uma empresa nessa nova realidade mais virtual e menos física. E esse desafio se impõe não apenas no ambiente de trabalho, mas também em casa. Como educar filhos na era da mobilidade? Como inspirar valores quando o acesso a todo tipo de informações parece ilimitado?

Há bastante tempo criei a expressão “erosão eletrônica da liderança”, alertando que o sentido da hierarquia tradicional dançou. As pessoas que exercem algum tipo de liderança estão muito mais vulneráveis, pois a facilidade de acesso à informação permite um nível de transparência muito maior. A coerência entre o que o líder diz e o que faz é questionada o tempo todo.

No entanto, apesar de sabermos que esse modelo ultrapassado não funciona mais, uma nova forma de pensar e exercer a liderança ainda não se faz presente com a intensidade necessária. Como se não bastasse, a entrada dos chamados “Nativos Digitais” no mercado de trabalho tem aumentado a complexidade dos desafios dos líderes e gestores tradicionais.

Não existe receita pronta nem fórmula mágica, mas os líderes bem sucedidos têm apontado alguns fatores como causas do seu acerto, tais como: (i) a definição clara de um Propósito Comum capaz de inspirar as pessoas rumo ao futuro; (ii) inspiração pelos valores e exemplo, em vez de pela hierarquia; (iii) oferta de oportunidades de autonomia, de desenvolvimento e meritocracia como fatores motivacionais; (iv) cultura e prática de intraempreendedorismo, com incentivos à criatividade e inovação; e (v) a harmonização entre a tecnologia e o lado humano nas relações líder-liderado.

Para os mais precipitados, que já falaram até em “liderança por controle remoto”, finalizo com um alerta nesse processo de reinvenção da liderança: a transformação digital não é “apenas” tecnologia. Exige um novo modelo mental, como um dos pilares da cultura das empresas que sobreviverão. Afinal de contas, quanto mais sofisticada a tecnologia, maior a necessidade do contato humano! O mundo não será apenas digital, será físico e digital ao mesmo tempo. Os vencedores serão os líderes capazes de “juntar o aparentemente injuntável”, ou seja, os que conseguirem arquitetar a convergência entre a beleza de um coração presencial com a precisão de uma cabeça digital.

Fonte: O Estado de São Paulo, 12 de Janeiro de 2020.

ABRH-SP

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