Mistérios e encantos da Língua Portuguesa

​Em sentido amplo, a linguagem é tudo quanto exprime o pensamento. O gesto, a palavra, a pintura, a escultura e a música são espécies de linguagem. Mas de todas essas formas de manifestação, a palavra grafada é uma das mais relevantes pela força documental de que se reveste. Diversamente da linguagem oral, cujas imprecisões podem ser ignoradas ou mesmo toleradas, a escrita contém regras que não podem ser violadas. Machado de Assis advertiu que a língua humana tem segredos inesperados. Os mistérios e os encantos da língua portuguesa mereceram de Olavo Bilac a composição poética dizendo que ela é a “Última flor do Lácio,/ inculta e bela, /És, a um tempo, esplendor e sepultura: /Ouro nativo, que na ganga impura / A bruta mina entre os cascalhos vela…”O soneto é integralmente reproduzido na abertura do livro de curiosidades linguísticas de autoria de Valério Hoerner Júnior (1943-2015). Advogado, jornalista e professor universitário, membro da Academia Paranaense de Letras, ele se especializou em didática do ensino superior. A sua experiência como docente na disciplina de Linguagem e Redação Forense, levou-o a publicarO nó da língua, pela Editora Universitária Champagnat. Em mais de 100 verbetes, distribuídos em ordem alfabética, o autor vai mostrando o que está certo e o que está errado na grafia de palavras e expressões. Muitos deles constituem preocupação comum e são analisados em seções especializadas de jornais e revistas. Seguem alguns para demonstrar como é possível praticara comédia dos errosna comunicação escrita e na verbal.

Amoralé uma coisa;imoralé outra embora, a semântica dos termos seja frequentemente confundida. Enquanto o primeiro, que é vocábulo greco-latino, indica a ausência de sentimento moral, o segundo traduz a censura de comportamento de quem é desonesto, libertino ou que não observa os bons costumes.

A nívelde.O uso da locução tão frequente nos meios de comunicação,a nívelde(diretoria, por exemplo) ou anível(federal, estadual, municipal), deve ser evitada. O certo éemnível dee nuncaanível de.

Ao encontro de … De encontro a … Esclarece Hoerner Júnior, que tais expressões se diferenciam e os significados são contrários um do outro.Ir de encontro aalguma coisa é ir contra, é ser desfavorável. A ideia é de choque. Quando se diz que o automóvel foide encontro aomuro quer-se afirmar que ele bateu no muro. E quando se justifica a identidade de opinião, deve-se dizer que ela vemaoencontro e nuncadeencontroao texto.

Através de … Por meio de …Apesar da semelhança tais locuções não se eqüivalem. Enquanto é correto afirmar que alguém foi vistoatravés davidraça é errado anunciar que a demanda foi resolvidaatravés deum acordo. O certo é dizerpor meiode acordo, mediante ou graças a um acordo.

Desmistificaredesmitificar.O prefixodesindica negação ou ação contrária. O primeiro vocábulo significa desmascarar, revelar a face verdadeira de alguém e no segundo, retirar o caráter de mito compreendido aqui como uma das divindades que encarna as forças da natureza ou uma narrativa de tempos fabulosos ou heróicos.

Entrega à domicílio. São frequentes os anúncios de serviços de entrega (roupa, alimentos, medicamentos, etc.) adomicílio ouàdomicílio. Tais formas são errôneas e devem ser substituídas pela preposiçãoem.Exemplo: O remédio será entregueemseu domicílio.

História, históriaouestória? Quando se tratar de disciplina científica deve-se grafar a palavra com agá (H) maiúsculo; quando indicar uma narrativa, com agá (h) minúsculo. O neologismoestória, apesar de certa franquia coloquial, deve ser evitado mesmo em se tratando de narrativa de ficção, conto popular e demais acepções.

Imprensa escrita e falada. Esta rotineira expressão é considerada um disparate ao indicar, além de jornais e revistas, as modalidades de radio e televisão. A propósito, o vocábuloimprensaestá sendo considerado sinônimo dejornalismoembora seja admissível associar a palavra imprensa ao jornalismo oral do rádio e às imagens da televisão. OAuréliorefere-se à imprensatelevisionadacomo um dos meios de comunicação.

O nó da línguaé um valioso breviário para orientaras pessoas de um modo geral e os profissionais da palavra em particular. Entre os verbetes há também curiosidades como os variados registros para o topônimo Curitiba e alguns roteiros para se prevenir das armadilhas da crase que, como diz Ferreira Gullar, não foi feita para humilhar ninguém.

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Uma linguagem diferente é uma visão da vida diferente”.

Federico Fellini (1920-1993). Genial cineasta italiano(diretor e roteirista), recebeuOscarse demais prêmios por filmes excepcionais comoA doce vida, Estrada da vida,Ensaio deorquestra,81/2eA nave vaie outros.

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