O que pode mudar na MP 936, que prevê suspensão do contrato e redução de jornada? Entenda

SÃO PAULO – A Medida Provisória (MP) 936, que permite a redução de salário e jornada e a suspensão do contrato de trabalho, pode ser modificada no Senado nesta semana. Entre as principais mudanças previstas está a extensão do prazo durante o qual o funcionário pode ter o salário reduzido ou o contrato interrompido.

A MP se divide em dois pontos principais: permite às empresas cortar 25%, 50% ou 70% do salário e da jornada dos funcionários, preservando o salário-hora, por 90 dias; e prevê a suspensão do trabalho de forma temporária por 60 dias. Em ambos os casos, o governo complementa a remuneração com base no seguro-desemprego. Relembre os detalhes da medida.

Também chamada de MP Trabalhista, a medida foi criada para tentar evitar (ou reduzir) as demissões decorrentes da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus e já foi adotada por 1,2 milhão de empresas, afetando 8,1 milhões de trabalhadores, segundo a Secretaria Especial de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia.

A MP foi aprovada com modificações na Câmara dos Deputados e ainda será votada no Senado. O InfoMoney conversou com especialistas em finanças públicas e direito trabalhista para explicar o trâmite da MP e o que pode mudar daqui para frente, tanto para os trabalhadores quanto para as empresas.

Quando entrou em vigor?

Medidas provisórias têm força de lei, por isso a MP 936 entrou em vigor assim que foi publicada pelo governo no Diário Oficial da União, no dia 1º de abril. Para se tornar definitiva, no entanto, ela precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Caso contrário, perde a validade em 120 dias.

O Congresso, porém, já prorrogou sua vigência por mais 60 dias, postergando o prazo de expiração da medida para o dia 10 de agosto.

Mudanças aprovadas na Câmara

O texto foi aprovado na Câmara, no dia 28 de maio, mas com modificações. “A principal mudança foi a possibilidade de o poder Executivo expandir o prazo de vigência da suspensão do contrato e da redução dos salários a seu critério, por meio de simples regulamento, ou seja, sem precisar passar pelo Congresso”, destaca André Ribeiro, advogado trabalhista e sócio do Dias Carneiro Advogados.

Os deputados também prorrogaram em um ano, para 31 de dezembro de 2021, a desoneração da folha de pagamento de 17 setores que fazem uso intensivo de mão de obra, como têxtil, construção civil, transportes e comunicação. Em vez de recolher 20% sobre a folha de pagamento para a Previdência, esses setores podem contribuir com 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

Outro destaque aprovado na Câmara foi a mudança no indexador que corrige as dívidas trabalhistas. Hoje, os débitos são corrigidos pela Taxa Referencial (TR, atualmente zerada) mais 1% ao mês. Se a alteração proposta pelos deputados passar no Senado, as dívidas serão corrigidas pelo rendimento da poupança mais o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), medido pelo IBGE.

Expectativas para o Senado

Agora a MP está no Senado e a expectativa é que seja votada na Casa ainda nesta semana. Se o texto for aprovado sem alterações, segue para sanção presidencial e, depois disso, as novas medidas entrariam em vigor. Mas o relator da MP no Senado, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), já afirmou que deve propor mudanças.

Cardoso disse que pretende incluir no seu parecer a expansão do prazo de suspensão do contrato de trabalho de 60 para 90 dias. “Além de concordar que a expansão dos prazos pode ser definida pelo Executivo, sem passar no Congresso, como definiu a Câmara, o relator já quer que a MP saia do Senado com a extensão do prazo de suspensão do contrato para 90 dias garantida”, explica Ribeiro.

Se as mudanças propostas pelo relator forem aprovadas pelos senadores, o texto retorna à Câmara.

Outra questão em jogo na votação do Senado é que sindicatos e empresários têm pressionado os parlamentares por mudanças. As empresas pedem que as dívidas trabalhistas sejam corrigidas só pelo rendimento da poupança, sem a inflação (IPCA-E), o que representaria custos menores. E os sindicatos pedem que a homologação de demissões volte a ser feita nos sindicatos, prática que deixou de ser obrigatória com a aprovação da Reforma Trabalhista em 2017.

Para que a MP siga sem maiores alterações, o sócio do Dias Carneiro Advogados diz que o governo já admite que pode criar projetos de lei separados para atender às reivindicações dos dois grupos.

Ineficácia

Mesmo que o Senado aprove a expansão do prazo de suspensão do contrato para 90 dias, o especialista em finanças públicas Murilo Viana avalia que isso não muda o “cenário devastador” do mercado de trabalho. “O texto todo da MP foi pensado prevendo dois, três meses de crise. Mesmo com a expansão de um mês das medidas, a crise está longe de terminar e os prazos pensados inicialmente estão se esgotando”, diz.

Um dos principais impasses para os empresários, segundo Viana, é que a empresa que adere à medida não pode demitir o funcionário durante o período de vigência da redução de salário ou suspensão de contrato e deve garantir seu emprego por um período equivalente quando o contrato voltar ao normal.

“As empresas tiveram um choque brutal de receita. Mesmo quando a cidade voltar a funcionar, o fluxo não será o mesmo porque muitas pessoas terão medo de sair e vão gastar menos porque perderam renda. Se a empresa adere ao programa, mas, depois de dois meses, a economia continua indo para o buraco, pode ter um problema maior ao não conseguir segurar o funcionário pelo mesmo prazo”, diz Viana.

Ele acrescenta que o Brasil tem sido mais conservador do que outros países na adoção de medidas de combate aos efeitos econômicos da pandemia. Essa postura aprofunda a crise, em sua opinião, e contribui para que a estimativa do Banco Mundial, de queda de 8% do PIB em 2020, se concretize.

O especialista em finanças públicas ressalta que o governo dos Estados Unidos chegou a dar dinheiro diretamente para as empresas de menor porte. Mesmo que a realidade econômica brasileira não seja comparável à da maior economia do mundo, Viana argumenta que, se o governo não socorrer os pequenos empresários de forma mais contundente, pode se ver obrigado a gastar ainda mais com o aumento do desemprego depois. “Mais brasileiros vão pedir o auxílio emergencial. Evita-se uma rubrica agora para depois gastar mais em outra”, diz.

As soluções são complexas e, mesmo entre países desenvolvidos, não há consenso sobre a rota de fuga da crise causada pela pandemia. Mas Viana diz que algumas medidas externas que têm funcionado são: a atuação mais forte de bancos públicos para levar crédito às pequenas empresas; a injeção de recursos em setores da economia mais prejudicados, como aviação e turismo; além de regras de crédito mais flexíveis para esses setores mais afetados pela crise.

“Em tempos normais, sem crise, as pequenas empresas já têm dificuldade para acessar crédito bancário. Mas sem caixa e sem crédito essas empresas, que são responsáveis pela maior parte dos empregos no país, simplesmente morrem. Isso também deveria ser encarado como um risco sistêmico. O mundo todo está olhando para isso, Alemanha, China, Estados Unidos, Itália e muitos outros países”, completa Murilo Viana.

Riscos legais

A MP 936 já chegou a ser questionada na Justiça, já que a Constituição proíbe redução salarial, e o assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). “Como a redução é acompanhada de corte na jornada, o salário-hora é mantido, então o STF entendeu que não seria inconstitucional”, diz Ribeiro, do Dias Carneiro Advogados.

A Constituição também prevê que qualquer redução salarial passe pelo aval dos sindicatos. Mas o STF entendeu que esta não é uma crise qualquer, é uma situação de pandemia, portanto as premissas normais não são mantidas.

Diante dessas interpretações, André Ribeiro afirma que as empresas que aderirem ao programa estão amparadas pelo Poder Judiciário e não correm riscos legais. Mas ele ressalta que o empresário deve ficar atento ao assunto para acompanhar as possíveis mudanças.

Vale lembrar que a MP Trabalhista estipula três faixas salariais: a primeira até R$ 3.135, a segunda de R$ 3.135 até R$ 12.202 e a terceira acima de R$ 12.202. Reduções de 25%, 50% e 70% podem ser feitas por acordo individual na primeira e terceira faixas. Na faixa do meio, o acordo individual só vale para cortes de 25%; se o percentual for de 50% ou 70%, deve ser aprovado por meio de convenção com o sindicato. Qualquer outro percentual diferente de 25%, 50% ou 70%, seja qual for a faixa salarial, também deve ser aprovado por convenção coletiva.

Em todos os casos, para que o acordo seja efetivado, a empresa precisa comunicar o sindicato e o Ministério da Economia (por meio de uma plataforma do governo) em até dez dias.

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Fonte: IR sem erro

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