Para especialistas, após a pandemia investimento sustentável será regra

Após a pandemia atingir os mercados do mundo inteiro, surgiu um temor de que diante do caos operacional e financeiro, empresas e gestores de fundos pudessem recuar na crescente tendência de adoção de critérios de sustentabilidade em decisões corporativas e de investimentos.

Mas não é o que especialistas preveem. Com base em dados recentes, eles acreditam que depois de o mundo sentir na pele como nunca antes os efeitos das faltas de trabalho e de atenção à natureza, no pós-coronavírus vão ganhar tração investimentos que antevejam retornos ambientais, sociais ou de governança (ESG, na sigla em inglês, ou ASG, na tradução).

“As boas práticas empresariais, incluindo filantropia, tratamento dos colaboradores e respeito aos clientes, ficaram mais evidentes neste período e serão precificadas nos ativos, positivamente ou não”, explica Carlos Takahashi, CEO da BlackRock Brasil.

A percepção de que a pandemia vai fazer da agenda sustentável “o novo normal” é reforçada por Thomaz Fortes, gestor de fundos da Warren. Para ele, o coronavírus mostrou a importância de estimar impactos ambientais.

Até o ano passado, crescia no Brasil uma tendência de direcionar partes maiores das carteiras dos clientes para investimentos que, além do financeiro, prevejam retorno em áreas como educação, meio ambiente e saúde.

O movimento seguia uma onda mais ampla e antiga no exterior, em especial na Europa, onde há dez anos é crescente a relevância dos critérios ESG nas decisões sobre onde investir. Eram US$ 31 trilhões aplicados em sustentabilidade no mundo em 2019, 34% mais que em 2017, uma alta puxada por fundos de pensão japoneses preocupados com as mudanças climáticas, segundo a entidade Global Sustainable Investment Alliance.

Esse fortalecimento da agenda sustentável se manteve no início de 2020. Em janeiro,a BlackRock, a maior gestora do mundo, com US$ 7 trilhões em ativos, informou que as alterações climáticas haviam se tornado o centro da estratégia de investimentos da casa. No mesmo mês, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, subiu o tom no alerta ao governo brasileiro sobre o tema.

Em fevereiro, um estudo da consultoria KPMG quantificou esse ritmo acelerado. Após entrevistar 135 gestores de grandes fundos em 13 países, que, juntos, totalizavam US$ 6,25 trilhões em ativos, a pesquisa auferiu que já chega a 45% a proporção de investidores institucionais que dizem escolher onde aplicar levando em conta fatores ambientais, sociais e de governança.

O estudo conclui ainda que foram os investidores privados que puxaram a maior parte desse aumento – também porque acreditam mais que o segmento dê retorno financeiro –, mas que governos em todo o mundo também instituíram mais de 500 medidas, nos últimos dois anos, para estimular o ESG.

Por outro lado, o levantamento ressalvava que a falta de dados confiáveis sobre o segmento, a ausência de métricas para quantificar os benefícios não financeiros e uma dificuldade em prever os rendimentos nesse segmento eram obstáculos para um crescimento ainda maior.

E, para 74% dos gestores ouvidos, a principal estratégia para ampliar o ESG ainda era engajar os acionistas das empresas investidas. “Porém”, pontuou o estudo da KPMG, “à exceção de casos pontuais entre clientes de altíssima renda, os investidores finais ainda não têm uma ideia clara do valor que está sendo gerado por suas escolhas em priorizar o sustentável, pois falta detalhamento”.

“Alguns números chamaram nossa atenção”, diz Lino Júnior, sócio-líder de gerenciamento de ativos da KPMG no Brasil. “Por exemplo, 84% dos gestores declaram que a mera maximização de retorno já não é o principal objetivo, e 86% dizem que aceitam retorno mais baixo caso o investimento seja em uma companhia que privilegie a sustentabilidade”.

“O mundo está parado hoje por uma questão que, entre outras coisas, diz respeito ao ESG: rastreabilidade alimentar, saúde, segurança”, comenta Ricardo Zibas, sócio-diretor da área de sustentabilidade da KPMG no Brasil. Para ele, as empresas passarão a ser questionadas também quanto ao preparo para crises disruptivas, como a atual: “Hoje vemos uma situação de saúde; amanhã, podemos ver outra, ligada à mudança climática, com demissões, migrações, conflitos. Perguntas que antes não eram necessárias agora passarão a ser parte do vocabulário do investidor”.

Mas tanto aquele crescimento no protagonismo da agenda sustentável quanto o diagnóstico da KPMG vieram antes de a pandemia do novo coronavírus causar dezenas de milhares de mortes e, na economia, minguar receitas de empresas, ao encontro do isolamento e dos cortes de salários dos trabalhadores-consumidores, aumentar o custo do crédito e reduzir a capacidade produtiva.

Esse momento de turbulência requer frieza para não errar, disse Jessica Alsford, líder de pesquisas sobre sustentabilidade do Morgan Stanley, em relatório recente: “O comportamento das companhias neste momento pode ter implicações duradouras junto ao público e aos investidores, para o bem e para o mal”.

Na visão dela, a pandemia vai colocar empresas sob julgamento a respeito de decisões envolvendo funcionários, clientes e a sociedade, e bons resultados financeiros no longo prazo dependerão dessas sentenças – que o diga a Vale, cujas ações foram excluídas dos portfólios de gestoras como a holandesa Robeco após a tragédia em Brumadinho.

Os analistas do Morgan Stanley chamam atenção para a necessidade de os empresários avaliarem com cuidado eventuais cortes de pessoal. Segundo o banco, quando a situação melhorar, o custo da substituição dos trabalhadores cortados pode ser o dobro do salário anual deles, e funcionários novos demoram até dois anos para atingir sua máxima produtividade.

“Há opções para a maioria das companhias”, comentou Mark Savino, estrategista de ações do banco. Um exemplo, ele diz, são os cortes nos salários e nos bônus dos executivos de alto escalão, seguindo reduções nos salários dos funcionários, algo em que os investidores estão prestando mais atenção: “Ações como essas mandam uma mensagem importante a respeito de governança corporativa”.

Zibas, da KPMG Brasil, detalha esse conceito. “Nesse momento em que está todo mundo no limite, as organizações estão sendo pressionadas a demonstrar que geram benefícios. A sociedade e os investidores exigem respostas de empresas, ONGs e governos sobre de que maneira eles contribuem para a sociedade. A remuneração de executivos em firmas que demitiram entra aí; como posso ter pagamentos astronômicos no topo, e, na base, pessoas sendo descartadas?”, questiona.

Fonte: Valor Investe

Grupo Studio

Posts Relacionados