Reabertura parcial da economia americana já surte efeito no emprego; Brasil terá retomada mais lenta

(Gabriel Ramos/Getty Images)

SÃO PAULO — Com a curva de infecções por Covid-19 claramente em declínio, os Estados Unidos iniciaram no fim do mês passado um lento e gradual processo de reabertura da economia em alguns estados do país. Mesmo em tão pouco tempo, os números do mercado de trabalho por lá já indicam uma melhora.

A taxa de desemprego, que havia explodido de março para abril, passando de 4,4% para 14,7% (veja o quadro abaixo), já recuou para 13,3% em maio. A maior contribuição para essa melhora veio do setor de hospitality, que abrange hotéis e outras empresas da área de turismo.

Por aqui, a economia brasileira também começou um processo de reabertura lento e gradual em alguns estados, mesmo com a curva de infecções pelo novo coronavírus ainda em alta e sem o país ter alcançado o pico da doença. Se isso causar uma disparada de novos casos, pode retardar ainda mais a retomada do mercado de trabalho.

A avaliação é de economistas consultados pelo InfoMoney. Segundo eles, a principal diferença entre os dois países é a flexibilização das leis trabalhistas, o que influencia diretamente no tempo de recuperação dos dados de emprego.

“Os dados do mercado de trabalho aqui não têm defasagens em relação que está acontecendo. As leis trabalhistas permitem que os empregadores contratem e demitam de uma forma bem mais barata e rápida que no Brasil”, disse a economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins e pesquisadora do Instituto Peterson, em Washington.

“No Brasil há um agravante: o desalento [pessoas que desistem de procurar emprego] é muito alto, já que a reinserção no mercado de trabalho é tradicionalmente mais difícil”, completou.

O custoso processo de formalização de trabalho para as empresas faz com que elas só voltem a contratar quando há uma clara retomada da demanda por seus produtos ou serviços — assim, quem foi demitido em uma crise tende a ter muito mais dificuldade para se realocar no mercado de trabalho.

A economista enfatizou que, apesar de a taxa de desemprego ter melhorado nos EUA de abril para maio, é preciso ressaltar que entre as pessoas brancas ela cedeu para 12,4%, enquanto para a população trabalhadora negra ficou estagnada em 16,8% — o que mostra que há uma dificuldade muito maior da população negra em conseguir emprego naquele país.

De acordo com o Relatório de Emprego (Payroll) divulgado pelo Ministério do Trabalho dos Estados Unidos, de março para abril a economia americana perdeu mais de 20 milhões de vagas de trabalho, no pior desempenho desde a Grande Depressão em 1929, totalizando 130,4 milhões de postos (veja o quadro abaixo). Em maio, porém, foram criadas 2,5 milhões de vagas.

No Brasil, os dados mais recentes do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, apontam que houve fechamento de 860 mil vagas formais de emprego em abril — o pior resultado para o mês desde o início da série histórica, em 1992. Somado ao desempenho de março, 1,1 milhão de postos deixaram de existir.

“Há um outro problema no Brasil que é a informalidade [pessoas trabalhando sem carteira assinada], que é em partes gerada pela maior burocratização das leis trabalhistas no país, o que não acontece nos Estados Unidos”, afirmou o economista Alexandre Schwartsman, colunista do InfoMoney. Para ele, a crise do coronavírus deve estimular o aumento dos informais no país.

O economista enxerga, contudo, que deve haver uma melhora nos dados brasileiros de emprego no terceiro trimestre deste ano, já que a base de comparação com o segundo trimestre vai ficar bastante baixa.

Sobre a taxa de desemprego no país, que aumentou de 12,2% em março para 12,6% em abril, ele destacou que é preciso ponderar que ela é uma taxa trimestral. Ou seja, a taxa de março reflete a média do período de janeiro a março, enquanto a de abril reflete a média do período de fevereiro a abril — segundo a metodologia da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que é feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Recuperar o nível de emprego que nós tínhamos no período pré-crise é bem mais complicado. A gente perdeu em dois meses um crescimento de três anos do mercado de trabalho”, concluiu o economista.

Além de também esperar um aumento da informalidade no Brasil, o economista-chefe da Necton, André Perfeito, destacou que a crise da Covid-19 também deve derrubar a média salarial dos trabalhadores no país.

“As relações de trabalho mudaram com a crise. Isso deve aumentar ainda mais os trabalhos informais no país. A mão de obra é prejudicada porque os trabalhos informais pagam menos. Há uma subutilização da mão de obra”, disse.

Perfeito destacou que as medidas de ajuda à economia adotadas pelos governos tanto do Brasil quanto dos EUA influenciam no ritmo de retomada do mercado de trabalho em ambos os países.

“No lado macro, os EUA não estão poupando esforços para estancar a crise, estão gastando muito dinheiro. Voucher, empréstimos para empresas, juros zero, são fatores macro que ajudam o mercado a se recuperar mais rápido por lá”, afirmou.

“Já aqui a gente teve algumas medidas importantes, mas está mais difícil para ver o dinheiro chegar na ponta final. Os juros baixos no Brasil podem parecer um estímulo do governo, mas na verdade são um efeito da economia estagnada”, completou.

“O governo no Brasil tem uma orientação totalmente liberal, ou seja, tem uma preocupação forte com o lado fiscal. Então, eles estão com um pé no acelerador e outro no freio”, concluiu. Para o economista-chefe da Necton, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve recuar 7,5% em 2020, depois subir 1,65% no ano que vem.

“As discussões das reformas perderão força depois da crise. Talvez a administrativa passe porque envolve o funcionalismo público. Mas com o mercado de trabalho comprometido e a renda da população comprometida, é difícil passar reformas que exijam um esforço maior das pessoas.”

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Fonte: IR sem erro

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