Webinar discutiu a real necessidade de regulamentação do teletrabalho

Ferramenta das mais utilizadas pelas organizações na pandemia, o teletrabalho ainda gera insegurança jurídica, sobretudo a partir da Jurisprudência. A publicação pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de uma nota técnica destinada a empresas, sindicatos e órgãos da administração pública, com 17 diretrizes sobre a modalidade, trouxe ainda mais preocupações para os RHs e jurídicos das empresas.

Para debater o tema, o CORHALE – Comitê RH de Apoio Legislativo em conjunto com a Sobratt – Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades promoveu, na última terça, um webinar especial, com a participação como debatedores do procurador do Trabalho/PRT da 2ª Região, Patrick Maia Merísio, e do advogado Tulio Massoni, doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Carlos Silva, diretor Jurídico e Financeiro da ABRH-SP e coordenador do CORHALE, e a advogada e pesquisadora Luciana Barcellos moderaram o debate. Confira, a seguir, os principais assuntos abordados:

Sobre os conceitos

“Em termos de conceitos, temos um Informe da OIT [Organização Internacional do Trabalho] relacionado à Covid-19, de junho de 2020, que fala sobre as espécies de trabalho remoto. Nós temos um gênero de trabalho a distância, um guarda-chuva que é o trabalho entendido fora dos estabelecimentos, e o teletrabalho como uma subespécie desse gênero, com a peculiaridade de que, além de ser a distância, tem o uso intensivo de novas tecnologias de informação e comunicação. Essa é a marca característica do teletrabalho que observamos nas legislações.

Já na nossa legislação existe uma variedade de modelos de teletrabalho conforme o desenho de cada modelo de negócios. Pode ser um teletrabalhador offline, que tem uma autodeterminação do tempo e não precisa estar conectado o tempo todo, com foco na entrega do resultado e sem controle algum de jornada. E pode ser o teletrabalhador online, que tem uma conexão contínua, imediata e simultânea, com ou sem controle de jornada.

Quanto ao local, o teletrabalho pode ser realizado em home office, predominantemente em casa, em telecentros, centros satélites… O trabalhador pode ser nômade e até transfronteiriço, que é uma lacuna da nossa legislação atual, pois nos coloca diversas questões: À legislação de qual país o trabalhador transfronteiriço está submetido? Como serão ressarcidas despesas de deslocamento? Como se dará a convocação para questões presenciais? Qual a norma coletiva aplicável ou lei de regência do contrato de trabalho?”. – Tulio

Preocupações

“Em todas as legislações, o caráter voluntário da migração do presencial para o teletrabalho é um ponto essencial. Quanto às condições, há a preocupação de que não sejam grupos de trabalhadores precarizados. Eles não têm que ter exatamente as mesmas condições dos presenciais, porque há peculiaridades a serem consideradas, mas no mínimo condições equivalentes. Não podem se tornar uma subclasse de trabalhadores. Outras preocupações recorrentes: pagamento de despesas, facilitação de equipamentos necessários e proteção de dados; como se darão os meios de vigilância em conjugação com a vida privada (por exemplo, com a implantação de dispositivos de controle nos telefones); com questões de saúde e segurança; como proporcionar a mesma igualdade de oportunidades de progressão na carreira; e como ocorrerá a integração desse teletrabalhador por causa do isolamento em relação aos colegas de trabalho e às questões sindicais – não podem existir obstáculos em termos de comunicação e interação com os representantes dos trabalhadores.” – Tulio

Jurisprudência

“Temos um arcabouço que tem um pouco de divergência na Jurisprudência em relação a algumas questões, como o enquadramento sindical e a norma coletiva aplicável – na minha opinião, a gente tem de considerar como local de trabalho para fins de enquadramento sindical a sede da empresa, porque é quando a prestação de serviço chega ao empregador. Com relação à forma de controle de jornada, falta a nossa legislação admitir um controle simplificado, como, por exemplo, um aplicativo que guarde similaridade com o Registro Eletrônico de Ponto, mas não tão burocratizado, bastando que ele assegure que o próprio teletrabalhador anote a sua jornada sem intermediação de terceiros. Outras questões em aberto são algumas diferenciações justificadas em termos de políticas de benefícios – por exemplo, a empresa que fornece alimentação no refeitório para os trabalhadores presenciais, como fica isso?” – Tulio

Recomendações práticas

“Sobre as despesas, a partir do que vimos na Jurisprudência, são três critérios para equacionar esse problema: a validade plena do ajuste individual, que é o que está na legislação atual; a diferenciação entre gastos ordinários e gastos extraordinários, que a empresa teria que pagar; e o empregado não pagar para trabalhar. Em relação ao direito à desconexão, a gente tem de lidar melhor com essas questões, por exemplo, deixando claro que algo, diferente de ordem de serviço, enviado pelo e-mail ou WhatsApp não tem a obrigação de resposta e criar regras de conduta para essas formas de comunicação coletiva da empresa. Quanto aos equipamentos, uma alternativa prática é fazer seguro para equipamentos fornecidos ou pagos pela empresa e criar regras de manutenção. Já em relação à ergonomia e ao método de fiscalização, acho muito importante gerar evidências, como questionários a serem preenchidos pelo teletrabalhador, com o envio de fotos, e consulta constantes sobre se ele está confortável. Por fim, acredito que a negociação coletiva pode conferir maior segurança jurídica a esses tópicos.” – Tulio

O MPT e o teletrabalho

“Talvez a melhor experiência durante a pandemia tenha sido o teletrabalho, porque permitiu que vários preconceitos que existiam antigamente contra essa modalidade fossem superados. Ele conseguiu unir a questão sanitária e econômica, e o interesse do empregado e do empregador. Algumas críticas que têm sido feitas à nota técnica do MPT se baseiam sem as pessoas nem sequer a terem lido. Se tivemos um órgão público que fomentou o teletrabalho nesse período foi certamente o MPT. Isso não quer dizer que o modelo existente não mereça ser aperfeiçoado, porque o teletrabalho pode trazer muitas vantagens, mas também alguns riscos e problemas muito danosos para a saúde do trabalhador, para a própria produtividade da empresa, para a sociedade em geral.” – Patrick

Sobre a nota técnica

“Nós do MPT no preocupamos com a estrutura social como um todo em relação ao teletrabalho. Muitas das vezes estamos preocupados só com a relação direta entre o empregado e o empregador e nos esquecemos do conteúdo social dessa relação. Temos a necessidade de fomentar a educação e o preparo para o teletrabalho. Ele não é necessariamente digital, mas a sua principal forma é digital. Isso mostra um contexto social interessante, porque o teletrabalho, sem a devida estrutura social e pública, pode fomentar a desigualdade social. Um estudo do IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] mostra que certos países estão muito mais adaptados para a conversão das suas atividades ao teletrabalho, mas o Brasil não seria nem o primeiro na América do Sul com possibilidades de conversão. Dentro desse contexto, o teletrabalho poderá ser mais um fator a agravar a nossa desigualdade social. Muitos dos debates que temos hoje mostram uma necessidade de investimento público. Seria papel do estado garantir a infraestrutura, porque há casos de pessoas que não conseguem trabalhar no teletrabalho porque não existe internet na região onde elas moram. O desafio da nossa nota técnica foi colocar o estado nessa relação.” – Patrick

RH voltado para o teletrabalho

“Chamo a atenção para a convenção 142 da OIT, que fala da necessidade de políticas e programas coordenados e abrangentes de orientação profissional e de formação profissional, ou seja, temos que ter um país que pense uma política de Recursos Humanos voltada para o teletrabalho, porque ele exige comprometimento e organização. Mas temos um país em que tecnologicamente, dada a sua desigualdade, isso não é realizado. Estudos recentes da Fiesp mostram que cerca de 40% das empresas brasileiras não têm nem computador no processo produtivo. Essa falta de inclusão digital impacta no trabalhador.” – Patrick

Confira a íntegra do debate no canal da ABRH-SP no YouTube.

Fonte: Assessoria de Comunicação ABRH-SP (02 de Novembro de 2020)

ABRH-SP

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