Trabalho híbrido gera desafio extra em períodode férias escolares

trabalho-hibrido-gera-desafio-extra - Empresária em Home Office com Filho

Quando chega novembro, a pedagoga Lis Lopes já sabe que precisa começar a organizar o planejamento das férias escolares dos dois filhos: Pedro, de três anos, e Elias, de um ano e três meses. Funcionária pública em uma escola municipal de Mesquita, no Rio de Janeiro, ela atua no modelo híbrido, trabalhando alguns dias em casa e outros, presencial. Nas férias escolares, se desdobra enquanto faz homeoffice e toma conta dos filhos, simultaneamente.

Lopes costuma alternar os dias em casa com seu companheiro, secretário escolar, que também atua no modelo híbrido. Então, se um trabalha remotamente segunda e quarta nas férias, o outro faz home office terça e quinta, para não haver um gasto extra tendo que contratar alguém para olhar os pequenos.“Eu consigo fazer as atividades de trabalho com eles em casa porque temos um espaço delimitado na sala, com brinquedos. É um olho neles e o outro no notebook”, diz. “Acontece também de, na parte da manhã, eles não dormirem e eu não conseguir produzir, então tenho que esperar para finalizar os trabalhos.”

Para a professora de gestão de pessoas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp) Vanessa Cepellos, o regime híbrido é positivo para as profissionais quando bem gerido, caso contrário, traz complicações. “A flexibilidade maior no trabalho é uma conquista principalmente das mulheres, considerando que elas ainda são as principais responsáveis pelo cuidado doméstico e a dupla jornada. Mas pode trazer ainda mais estresse ao terem que conciliar filhos e tarefas domésticas nos mesmos horários”, diz.

Dados do estudo Outras Formas de Trabalho, daPesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022, divulgados em agosto deste ano, mostram que as mulheres dedicam 21,3 horas semanais para os afazeres domésticos ou cuidado de pessoas. Esse montante significa 9,6 horas a mais que os homens. Olhando somente para o recorte de mulheres ocupadas, elas passam, em média, 6,8 horas a mais que os homens ocupados na realização dessas atividades, o que evidencia a desigualdade na divisão de tarefas domésticas.

Para Cepellos, a boa gerência do trabalho remoto inclui ter uma rede de apoio, comparceiro, outros familiares ou amigos. Lopes conta que para ela a
rede de apoio é fundamental. Quando ela e o marido não conseguem se organizar para ficar em casa em dias alternados, o jeito é apelar para a cunhada. Nas próximas férias, ela deve ficar ao menos um dia da semana com os pequenos, já que Lopes e o marido só farão home office dois dias cada um.

Para Milena Bizzarri, diretora de recursos humanos, marketing e comunicação da Mazars, empresa de consultoria e auditoria, o expediente híbrido exige planejamento, inclusive emocional. “Existe um ponto crítico no trabalho em casa, na perspectiva das crianças, que é o fato de a mãe estar em casa, mas não estar disponível para elas”, comenta. “Elas não entendem isso e até para nós, mães, é difícil. Crianças precisam de formas de atenção criativas o tempo todo, pois ao contrário ficam grudadas na televisão ou começam a disputar por atenção, e aí atrapalham o trabalho.”

“O híbrido é positivo para as mulheres quando bem gerido, caso contrário, traz complicações”

— Vanessa Cepellos

Nesse sentido, a convivência com os filhos no regime híbrido ensinou a Bizzarri que a presença física não é sinônimo de disponibilidade emocional. “É um equilíbrio delicado gerenciar as expectativas dos pequenos enquanto a gente se mantém focada em responsabilidades profissionais. Meu marido, igualmente em homeoffice, é um parceiro fundamental, compartilhando tarefas domésticas e parentais.”

Bizzarri é mãe de três “jovens de mentes curiosas” com 11, 4 e 3 anos e passou parao modelo remoto em 2020. Depois houve a transição para o híbrido. “Minha rotina é intensa, repleta de reuniões virtuais e períodos de concentração ininterrupta.Encontrar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional foi um exercício de paciência e persistência.”

Com o tempo, a executiva se adaptou e conseguiu gerenciar a agenda com mais eficiência, apoiada por uma rede de suporte que conta com sua mãe, irmã e tias. Durante as férias, o desafio é muito maior, e nem sempre a rede de apoio consegue suprir todas as necessidades. Bizzarri lembra que, nessa hora, estar em uma empresa que permite a
flexibilidade de mexer nos horários de trabalho ajuda muito. Mas não é só isso.
A paciência, a compreensão e o olhar sem julgamento dos colegas de trabalho diante das interrupções causadas pelas crianças são valiosos, diz. “A organização durante o período de férias deve ser a mesma que você faria se trabalhasse 100% presencial”, recomenda.

Cepellos explica que as empresas podem criar um período experimental para analisar quantos dias em casa e quantos presenciais funcionam em cada caso. Outro ponto é o ajuste para um modelo de trabalho que não se norteia apenas por horários, mas por entregas. “ Quando tem uma reunião, aí não há como escapar, mas se a gente desconsiderar os compromissos com horários estabelecidos, pais e mães conseguem se organizar melhor para dar conta de vários pratinhos”, diz. A professora ressalta, ainda, que “para ter mais mulheres [no quadro], a política da flexibilidade é importante”.

Para Sandra Gioffi, diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos, as empresas ainda estão preocupadas em aprender o híbrido, presas no conceito de jornada de trabalho, e não no modelo por entregas. “Não tem avanço cultural para que uma mãe possa falar que está insatisfeita, porque tem medo de perder o emprego”, diz. “A discussão ainda é se vamos voltar para o presencial. Veja só como estamos retrocedendo”. Para ela, poder brincar com a escala de trabalho, deixando as entregas para um horário diferente, quando as crianças estão brincando, estudando ou dormindo, é uma proposta de valor que as empresas deveriam usar de forma inteligente.

Gioffi explica também que, mesmo com os avanços em relação à divisão dajornada doméstica, os pais ainda não estão incluídos na conversa com as empresas. “Existe um ambiente de machismo”, diz. “Alguns homens líderes nas organizaçoes não têm mulheres que trabalham, então eles não têm essa dor e não alcançam essa realidade. Mas as empresas precisam considerar que existem outras realidades.”

ABRH-Brasil

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