como a Inloco virou Incognia

A Inloco agora é Incognia. Pivotamos nosso modelo de negócio. Mudamos a nossa marca.Mas, essa não é uma história apenas sobre pivotagem ou uma mudança de marca. É uma história sobre visão. E, para contá-la, preciso voltar lá no início da nossa empresa, em 2010.

(Nós já compartilhamos a nossa jornada com a Endeavor, você pode ler mais aqui.)

Quando eu e mais cinco amigos estávamos na faculdade de Ciência da Computação, nos deparamos com o artigo “O Computador do Século XXI”. Nesse artigo de 1991, Mark Weiser, cunhou o termo computação ubíqua para falar sobre o momento em que a computação vai para o plano de fundo, em que dispositivos conectados vão nos servir em todos os lugares de forma que ninguém pode vê-los.

Como se, quando as tecnologias mais sofisticadas chegassem em seu nível máximo, elas desapareceriam. A escrita é um exemplo. Hoje em dia, quando a gente lê, não paramos para pensar no sistema que foi construído por trás. A energia elétrica é outro exemplo.

Mas, no caso da computação, ainda percebemos um esforço envolvido. Ainda precisamos usar um dispositivo físico e apertar comandos. A visão do Mark Weiser é a de que um dia a computação vai continuar evoluindo e chegará em um ponto que vamos usufruir sem pensar na complexidade por trás.

Essa ideia nos deixou tão fascinados a ponto de criarmos uma empresa para concretizar essa visão.

Nossa visão

A nossa visão, baseada na computação ubíqua, era fazer com que os computadores identificassem uma pessoa e a servisse com base em seus interesses naquele momento. Uma parte essencial dessa visão é que isso deveria ser feito mantendo os dados do indivíduo totalmente privados, de forma que não fosse possível saber sua identidade.

Para conseguir viabilizar isso, entendemos que seria necessário criar uma nova interface de computador, que precisaria deixar de existir, de fato, e estar nas coisas – o que chamamos hoje de Internet das Coisas, ou IoT.

Mas, estávamos em 2010. Não existia a infraestrutura para que IoT alcançasse seu potencial – que é a tecnologia 5G, implementada em alguns lugares.

Bem, a gente queria construir uma empresa para concretizar a visão da computação ubíqua e fazer os computadores desaparecerem, mas não tinha nem as peças fundamentais para fazer isso acontecer.

A saída foi construir tecnologias aplicadas a este problema, priorizando aquelas que poderiam ser monetizadas com mais velocidade.

Localização como resposta

Optamos, então, por começar com a tecnologia da localização. Já que, uma tecnologia de localização certeira, permite saber onde a pessoa está, e isso possibilitaria a sua conexão com os dispositivos de internet das coisas que estariam ao seu redor. Além disso, o comportamento de localização de cada pessoa é único, permitindo criar uma identidade digital dinâmica e extremamente segura, sem a necessidade de informações que identificassem a pessoa no mundo real, como nome, email ou telefone.

Por isso o nome Inloco.

Construímos uma tecnologia de localização bem superior ao que existia no momento. Superamos a tecnologia do GPS em mais de 30x do ponto de vista de precisão – aqui, entendemos que estávamos no caminho certo, mas, a viabilização do que a gente realmente queria estava anos na frente.

Então, deixamos a visão futurista de lado, e começamos a testar soluções para o presente, pensando o que poderíamos fazer com localização no curto prazo para conseguir financiar o nosso negócio.

Fizemos muitos modelos. Vários deram errado. Até que construímos um produto para publicidade e marketing: de um lado, aplicativos mobile que usavam a tecnologia de localização e, de outro, anunciantes que usavam a localização como principal filtro para selecionar quem deveria receber aquele anúncio. Depois, a tecnologia de localização conseguia nos dizer se a pessoa foi até a loja do varejista.

Esse modelo de negócio foi pioneiro. Nos tornamos lucrativos em três meses de operação pós lançamento. Crescemos super rápido e por muitos anos.

Mas, víamos no horizonte dois pontos de atenção:

1) Com esse produto, não iríamos concretizar a nossa visão de tornar a computação ubíqua.

2) Eventualmente, as big techs iriam entrar nesse mercado, uma vez que mobile estava crescendo exponencialmente. A gente sabia que os maiores players globais iriam entrar com concorrência desproporcional, só não conseguiríamos prever quando.

Por causa disso, enquanto crescíamos com localização para publicidade, começamos a pensar em produtos que iriam concretizar a nossa visão. E que seriam um bote salva vidas caso (e quando) a ameaça das big techs chegasse.

Foco na visão

A pivotagem é mais antiga do que se imagina. Em meados de 2017, fizemos alguns movimentos para desenvolver produtos que nos deixariam mais próximos da nossa visão:

  • Construímos uma plataforma para criar produtos usando localização com muita velocidade.

Fizemos um grande investimento nesse desenvolvimento, mesmo sabendo que 100% dos nossos ganhos eram com publicidade e 80% dos nossos custos não tinham relação com publicidade.

Do ponto de vista de gestão, é uma loucura total.

No Google, as pessoas gastam 20% do tempo com inovação. Nós fizemos o oposto, gastamos 20% do tempo do time de desenvolvimento no core business e 80% em inovação.

  • Arriscamos na gestão, criando uma barreira geográfica entre os times de tecnologia e administração.

Aproveitando da barreira geográfica que existia em nossos dois escritórios – o de Recife, de tecnologia, e o de São Paulo, com as áreas administrativas -, isolamos completamente os times.

Eu e mais dois sócios, nos tornamos o gargalo de comunicação propositalmente. Não queríamos que o time de tecnologia mergulhasse no universo da publicidade, já que não estava em nossos planos futuros.

Foi um movimento difícil pra nós. Era uma panela de pressão que a gente tinha que segurar para não explodir. Inclusive, não recomendo essa prática para nenhum gestor. Gera caos e onera quem está sendo a muralha. Mas deu tudo certo. Sobrevivemos.

2017 também foi o ano que surgiu a ideia de aplicar a tecnologia de localização para identidade digital. Olhamos para esse problema e vimos que ele seria o viabilizador da nossa visão de longo prazo.

O nosso produto propunha que, quando uma pessoa chegasse em um lugar, o dispositivo a reconheceria e ofereceria o que ela precisasse naquele momento.

A identidade digital estaria sempre com o usuário, garantiria sua segurança e privacidade e, ainda, conseguiria identificá-lo para dispositivos de IoT. Assim, iríamos construir um produto com o nível de personalização e automatização que a gente pensou lá no começo.

Nosso produto seria dinâmico. Diferente de reconhecimentos como a impressão digital, a biometria comportamental por localização muda de acordo com o movimento e, a cada novo local, ela fica mais complexa e, consequentemente, mais segura.

Entendemos que seria necessário um bom tempo para fazer acontecer.

A surpresa quase inesperada

Por mais dois anos, tudo correu bem. Crescemos muito com o negócio de publicidade. Levantamos um investimento de US $20 milhões, liderado pelos fundos Valor Capital Group e Unbox Capital, com participação de outros investidores.

Em novembro de 2019, depois de um ano fantástico, nossa premonição se tornou realidade: as big techs deixaram de ser ameaça e se tornaram nossos competidores.

A competição era implacável. As big tech foram até os nossos clientes, oferecendo mais volume com preço mais baixo. Arrasariam o nosso negócio em pouquíssimo tempo.

Caos total.

Começamos 2020 perdendo receita e clientes, sabendo que o nosso negócio tinha um prazo para sair do ar.

Tivemos que recuar, olhar pra dentro de casa e tomar decisões difíceis e que me doem muito como gestor – reduzimos o time consideravelmente, fomos de 250 pessoas para 100.

Uma semana depois, veio a pandemia.

Tivemos que lidar com todas essas questões de forma remota. E, além disso, a crise do coronavírus também forçou os varejistas a fecharem suas lojas.

Nossa receita já estava caindo por causa da competição com as big techs e, quando chegou o covid, tudo se potencializou. A receita de publicidade em março de 2020 foi 90% menor do que a de março de 2019.

Não tinha pra onde correr.

O bote salva vidas

Começamos a falar sobre a nossa identidade digital com alguns clientes e o feedback estava sendo positivo. Percebemos que poderia ser o nosso bote salva vidas.

Quando paramos para analisar o mercado, vimos, realmente, a luz no fim do túnel para o nosso negócio: o e-commerce e bancos digitais estão crescendo rápido e as pessoas estão migrando para o mobile. Isso significa que a fraude vai aumentar e a nossa solução ajudaria nesse problema.

Colocamos toda a energia no nosso novo produto. Nesse momento, as decisões arriscadas do passado começaram a dar retorno – a construção da plataforma lá atrás, o esforço de 80% em inovação e o isolamento do time.

A gente saiu de uma scale-up late stage para uma startup early stage, começando do zero com um produto novo. Porém, com um legado de desenvolvimento de 10 anos e com um time sólido.

Tínhamos dinheiro em caixa e fomos com tudo nesse novo negócio. Fomos agressivos nas vendas, demos, e ainda estamos dando, free trial para os clientes testarem o produto e proverem feedback. E começou a dar certo.

No período de teste, a solução superou por muito as soluções líderes de mercado. Aumentamos a aceitação dos pagamentos e reduzimos a fraude substancialmente para nossos clientes.

100% das empresas que testaram, compraram.

Descobrimos que a nossa teoria fazia sentido: comportamento de localização como forma de identidade digital é muito forte.

Depois de um longo inverno, voltamos a crescer. E de forma sustentável, sem concorrência de big techs. Projetamos para dezembro de 2021 um aumento de 10x em relação a receita de 2020.

Levantamos uma rodada em 2020, pequena, mas com o mesmo valuation construído nos 10 anos anteriores.

Incognia

Hoje, temos muito orgulho do que construímos. O nosso produto é único, pioneiro no mundo e com legado de tecnologia. E que nos dá oportunidade de crescimento global.

Nós traduzimos toda essa jornada em uma nova identidade para a nossa empresa. Agora somos Incognia.

A marca nova está muito mais alinhada com nossa visão de longo prazo de tornar os computadores invisíveis. Conseguimos traduzir isso em nossa nova campanha e vídeo institucional.

Incognia vem de incognito. Algo que você não consegue identificar.

incognia

O círculo central é uma pessoa, sem face, o que simboliza segurança e privacidade. Os arcos ao redor são sinais como o de wi-fi, o que significa que a pessoa está transmitindo sinais e informações para que sirvam como personalização para a nossa tecnologia e, também, como interação para os computadores invisíveis ao redor.

Depois de toda essa jornada, cada vez mais, eu tenho certeza que a gente vai fazer a computação desaparecer.

Apesar de hoje a computação viver o seu pior momento, porque acharam formas de transformar isso em uma arma contra a privacidade e liberdade das pessoas, eu continuo otimista. Tem muito chão pela frente, mas estou pronto para combater a tecnologia ruim com tecnologia boa.

Giveback

Decidi compartilhar a minha história para que, de alguma forma, inspire e ajude empreendedores e empreendedoras.

Aprendi muito como gestor.

Aprendi o poder da cultura forte e como um time alinhado te leva adiante. Em 2020, enfim eliminamos as barreiras entre times e agora estamos no outro extremo. Time de vendas e tecnologia trabalham juntos – em toda reunião de engenharia tem alguém do comercial e vice versa.

Entendi que sou um cara que ama falar de futuro e da visão de longo prazo, mas aprendi que, em momentos de crise, o foco é no agora e na eficiência.

Nesse ponto, a Endeavor teve um papel fundamental.

Fomos aprovados como Empreendedores Endeavor em 2017 e nesse mesmo ano eu participei de muita mentoria, e isso acontece até hoje. Devo estar no Top 10 EEs que mais fazem mentoria.

Lembro de 3 mentorias que me ajudaram muito nos desafios do ano passado: com Anton Commissaris, da Avencia, sobre Conselho; com Enrique Salem, da Bain Capital Ventures, sobre posicionamento de marca – que inclusive, depois das mudanças que aplicamos, conseguimos vender mais -; e com Gary Swart, da Polaris Partners, sobre desenvolvimento pessoal.

Inclusive, aproveito para deixar mais uma dica para todos os empreendedores e empreendedoras, aliás, todas as pessoas: façam mentoria.

Também participei de vários programas de desenvolvimento pessoal de competências de liderança desde 2017.

Eu não tenho background de outras empresas, trabalho com a Incognia desde a faculdade e a Endeavor foi a maneira de aprender com a experiência de outras pessoas e ganhar repertório rápido.

Agora é continuar executando. Finalmente estamos no caminho certo para fazer a computação ficar invisível.

Apesar de ser muito ansioso e querer que minha visão se concretize logo, o que me fez chegar até aqui foi paciência. Aprendi que coisas boas tomam tempo. Consistência e foco no longo prazo é o que nos levará adiante.

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